As classes e as eleições burguesas

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João Rodrigues

A abstenção recorde, registada nas últimas eleições legislativas, foi de 43,07%. Significa isto que 3.698.000 de inscritos, num total de 9.682.553, não foram às urnas.

Se somarmos ao número de operários e trabalhadores não qualificados os trabalhadores clandestinos e os desempregados –  respectivamente 1 milhão e 690 mil pessoas –  e ainda os pensionistas muito pobres – 95 mil – chegamos ao número de 3 milhões e 750 mil pessoas, ou seja, muito próximo do valor de não votantes registado nas últimas eleições legislativas.

Uma análise de classe aos interesses representados pelos diferentes partidos políticos que se apresentam às eleições para o parlamento burguês, justifica estes números coincidentes.

É certo que a “Burguesia” e a “Pequena burguesia tradicional” (socorrendo-nos da nomenclatura usada por alguns autores) tenderão necessariamente a votar nos partidos que, após do golpe de 25 de Novembro de 1975, vêm gerindo o capitalismo nacional, a saber, PS/PSD/CDS, isto de acordo com a sua subjectividade individual e, acima de tudo, de acordo com o momento económico, ou seja, com a conjuntura infraestrutural.

Basta analisarmos o exemplo do anterior governo PSD/CDS, que durante a vigência do seu mandato retirou 7,6 mil milhões de euros de rendimentos aos trabalhadores, dando 2,5 mil milhões à burguesia, para concluirmos que, perante esta eficaz gestão em torno dos interesses dos capitalistas, a classe que detém os meios de produção só pode congratular-se com o Estado burguês em geral e com os seus partidos de turno em particular, inteiramente merecedores da sua confiança e portanto do seu voto.

A “Nova pequena burguesia técnica e de enquadramento” e a “Nova pequena burguesia de execução”, que incluem a camada que V. I. Lenine definiu na sua obra Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo como “aristocracia operária” ou do operariado aburguesado, assim como o semiproletariado – os assalariados que não geram mais-valia, grande parte desenvolvendo actividades ligadas ao processo de circulação do capital – vacilam entre os partidos ditos “de esquerda”, que assumem, após a emergência da crise de sobreprodução em 2007/2008, o papel da social-democracia, a saber, BE e PCP por um lado e, por outro, os liberais de fachada mais ou menos socialista, PS e PSD, pendendo para os primeiros ou para os segundos, conforme sentem mais ou menos ameaçado o seu lugar no cada vez mais reduzido nicho de trabalhadores abrangidos pelo pacto social, herdado das conquistas progressistas do biénio 1974-75.

Que características definem os partidos ditos “de esquerda” e os impedem de merecer a confiança das mais amplas camadas da classe dos trabalhadores e do povo pobre, tanto nas eleições burguesas como enquanto representantes sindicais?

a) O cretinismo parlamentar e a auto-imposição de limites na acção política e sindical, conformada ao estreito respeito pela legalidade burguesa e pelas suas instituições de classe e formalismos.
b) A ausência de uma caracterização de classe, marxista, das forças e dos movimentos em presença e das políticas implementadas.
c) A defesa dos interesses capitalistas de determinadas camadas da burguesia, não enquanto momento político táctico, mas como base programática e estratégica, que contempla a aliança de carácter permanente e a diluição dos interesses do proletariado nas perspectivas do reformismo pequeno-burguês.
d) O abandono político das amplas camadas das classes laboriosas, em função do facto de que a persecução dos seus interesses não permite, e causaria inclusivamente a ruptura, da concertação e da “paz” social, ou seja, dos expedientes de conciliação de classes.
e) O abandono teórico-prático da estratégia marxista de derrube violento das estruturas de opressão burguesas, nomeadamente do Estado burguês e suas instituições, assim como da ditadura democrática do proletariado e dos seus aliados.

O reformismo extraparlamentar, representado essencialmente pelo MAS e PCTP/MRPP, enquadra-se, de acordo com as suas características, neste…“bloco, muito embora possa adoptar uma retórica esquerdista, mais radicalizada e inconsequente, visto não ter quaisquer responsabilidades na gestão do capitalismo.” (Plataforma Laboral e Popular – Documento Contexto Político Nacional).

Muito embora alguns sectores e alguma militância dos partidos da esquerda insistam em imputar o ónus dos seus desaires eleitorais à falta de consciência de classe dos trabalhadores, a verdade é que estes demonstram, através do seu desprezo pelos formalismos democrático-burgueses, materializado em abstenção eleitoral, que as forças políticas em presença não representam os interesses da maioria da população portuguesa, maioria essa constituída pelos operários, trabalhadores e pensionistas pobres.

Para responder a este quadro e ganhar a confiança das classes laboriosas e desfavorecidas é necessário construir uma organização capaz de assegurar a independência política do proletariado, rejeitando a conciliação com os interesses capitalistas das classes intermédias, nomeadamente da pequena burguesia, reconhecendo que as justas ambições dos trabalhadores são inconciliáveis com os objectivos da burguesia nacional, do governo de recuperação capitalista PS e das instituições imperialistas transnacionais UE/BCE/FMI e apelando à luta laboral e popular como caminho único para a vitória e emancipação daqueles que tudo produzem.

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